As interrupções abruptas não
são bem-vindas, mesmo quando são necessárias. Nunca são fáceis ou ligeiras. Num
momento está tudo normal e é assim que se espera que continue mas de um momento
para o outro tudo pode mudar e isso nunca foi tão real como agora.
Já tinha sentido esse choque
quando mudei de escola e passei do colégio para a secundária. Já tinha sentido
a violência de uma interrupção abrupta e permanente, quando o meu avô morreu,
algures naqueles primeiros dias do mês de março e mais tarde nesse ano quando
partiu também o meu outro avô. Alguns anos nem deveriam fazer parte do
calendário. Todos os dias morrem pessoas, dizem… mas não a mim, a mim até então
não tinha morrido ninguém de importância extrema. Com o passar do tempo habituamo-nos
e conformamo-nos com esta realidade, não se pode fazer nada. Aceita-se com
maior naturalidade quando temos mais idade e quando se percebe que o fim é inevitável
e o fim do sofrimento também, como foi no caso das minhas avós. Não é fácil mas
é mais compreensível e aceitável, sabendo que ninguém dura para sempre visto
neste prisma, entende-se que o prazo chegou ao fim.
No meio disto tudo, avalia-se
o tempo que passou, o que foi feito, o que não foi feito e que mais se poderia
ter feito. Com as minhas avós o sentimento é o de dever cumprido. Vivemos muito
e fizemos muitas coisas em conjunto, estiveram em todos os momentos importantes
e marcantes da minha vida, já com os meus avôs, nem tanto, foi pouco tempo. E
foi um tempo em que nem saberia como tirar maior proveito, estava a crescer,
não tinha a maturidade ou capacidade para fazê-lo de outra forma.
Depois acontecem momentos como
estes que estamos a viver agora, absolutamente excecionais. A vida e as pessoas
de quem gostamos estão em espera, estamos todos a aguardar que a tempestade
passe. Entre todos existe uma barreira invisível, o medo do desconhecido que
ninguém sabe ao certo o que é. Anda por ai escondido e ataca quando menos se
espera, ninguém está a salvo! De um momento para o outro as pessoas que temos
por garantidas, que todos os dias podem estar connosco a nossa família, o nosso
amor, os colegas e os amigos deixam de estar ali para nós. Já não os podemos
abraçar ou beijar, já não podemos deixar ninguém entrar em nossa casa, não
podemos conviver.
No tempo normal até passaríamos
bem sem um abraço ou um beijo, se não fosse hoje seria amanhã ou depois, podíamos
dar-nos ao luxo de reservar, calendarizar ou até adiar. Só que hoje e nas
próximas semanas isso não vai acontecer, não por nossa vontade mas por
imposição destes dias estranhos que estamos a viver.
O que podemos aprender com
isto tudo?
Nada do que temos é garantido,
especialmente no que toca ao amor e aos laços que vamos criando. As nossas pessoas não estão garantidas, podem desaparecer de um momento para o outro ou podemos ficar isolados sem contacto uns com os outros ao sabor do capricho de um vírus. A natureza
humana é peculiar, quando deixamos de ter é quando mais valorizamos. Hoje não
nos podemos abraçar ninguém e até gostaríamos de fazê-lo, não apenas por
pudermos (e também por isso) mas porque efetivamente as pessoas que amamos nos
fazem falta.
E por fim, temos a ideia
errada e vou frisar bem este ponto – ERRADA – que conseguimos controlar a vida
em todos e quaisquer aspetos, como está à vista, não controlamos! Habituamo-nos a uma cadência e deixamo-nos ir, pelos vistos estávamos a precisar
acordar da dormência e como sempre só com um grande abanão é que lá vamos.
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