Avançar para o conteúdo principal

Joaninha, Janiquinha, Isniqui

Algumas vezes na vida temos uma sorte incrível! São pessoas ou coisas que nos acontecem sem estarmos à espera e que nos deixam marcas para sempre.

Este mês de janeiro acabou da pior forma, perdi a minha companheira de vida. Por muita preparação que tivesse e por tudo o que vivemos nas últimas semanas, sabia que o fim estava próximo para ela, quis que tivéssemos direito a um milagre, daqueles que acontecem a algumas pessoas e que ficam registados na história da humanidade como: feitos extraordinários! Por que não haveríamos de ter essa sorte? Não tivemos direito a um milagre, ainda assim, consegui cumprir a minha vontade. Não quis que ela ficasse no hospital e que ali sozinha se deixasse ir, partiu rodeada de amor na casa que sempre foi mais dela que minha.

Pode parecer exagero tudo o que irei partilhar a seguir, irá parecer exagero para quem não tem afinidade com os animais e nunca se conseguiu perder com a pureza dos olhinhos de um gato ou cão… ou até de qualquer outro animal de estimação. Mas na verdade, tudo o que se vive com eles é uma experiência única e cada um deles é um exemplar único. A ligação que se estabelece é de uma profunda conectividade que vai para além de uma relação dono/animal, se considerarmos o dono como superior ao animal. Obviamente que um cão ou gato não é um filho nem se pretende que seja, tenho a certeza que nem eles se sentem como filhos, acredito que o estatuto deles é muito diferente. Os nossos animais de estimação estão num outro patamar e não são sequer comparáveis a todas as outras pessoas que amamos porque o amor que lhes temos é também diferente. É um amor com uma consistência que só quem os tem sabe como é, lamento, não sei explicar melhor. Algumas coisas precisamos viver para entender, como é o caso.

Assim a importância de um cão ou de um gato está para além de um “simples animal de estimação”: são nossos amigos, cuidam de nós abnegada e genuinamente, não nos julgam e nunca nos abandonam, têm sem dúvida um papel ímpar na nossa vida que só eles sabem desempenhar.

Sempre tive sorte com os animais que tive por perto e ainda tive mais sorte quando a Joaninha me escolheu. Dizem que os animais que temos não são por acaso e que são eles que nos escolhem e não o contrário e neste caso, foi mesmo ela que me escolheu, apesar de já andar olho nela. Ela destemida entrou-me pelo carro adentro sem me dar hipótese de pensar se iria ficar com ela ou não. Estava na rua a ser cuidada pelos vizinhos, nunca cheguei a perceber se tinha fugido, se se tinha perdido ou se simplesmente por ser Agosto a tinham “deitado fora”. O motivo ficou claramente definido na coragem dos seus 5 meses de vida, ao vir atrás de mim. Estávamos reservadas uma para a outra.

Foram os anjos que a mandaram. Os anjos mandaram-na para me salvar e para eu salvá-la, foi esta a história que repetidamente lhe sussurrei ao ouvido e ela parecia concordar com cada palavras. Nunca se negou a nada, nem a doses massivas de apertos e beijos que por vezes até a mim me cansavam, ela mantinha-se impávida e serena sem reclamar ou ripostar. Era a primeira a chegar ao meu colo sempre que me via sentada, era a primeira a chegar à porta da rua sempre que ouvia a chave ou os meus passos, era a primeira a raspar na porta do quarto pela manhã e era a primeira a enfiar-se dentro da minha cama para se encostar à minha barriga para dormirmos quentinhas. Era ciumenta e possessiva. Não me podia ver a fazer festas a outra gata nem a segredar-lhes coisas, intrometia-se e roubava as minhas mãos só para ela. Ela era minha e eu era dela.

Bastava ver-me para os olhos dela se encherem de brilho, ficava sentida se a deixava sozinha muito tempo, amuava se a deixasse para segundo plano, queria encaixar-se sempre nas minhas pernas ou braços, era perita a aninhar-se junto a mim com um ron ron sem parar. Não podia trabalhar, estudar ou ler sem a ter por perto ou ao meu colo, por vezes era quase escorraçada da minha própria cadeira. Adorava esconder-se dentro do guarda roupa ou entre os gavetões da cama.

A Branquinha foi a gata mais doce que alguma vez tive mas esta foi incrivelmente especial, não era só uma gata, era a GATA. Tínhamos um amor, uma pela outra, que não se explica. Era visível na nossa troca de olhares e em todos os movimentos do seu corpinho de gata elegante. Cada listinha do seu corpo pardo parecia desenhada à mão por um artista perfeccionista e muito habilidoso, o eyeliner que adornava os seus maravilhosos olhos verdes aparentava ser a réplica perfeita do antigo Egito. As patinhas cheiravam a L’eau de Joaninha, as almofadinhas macias acariciavam as minhas mãos e a sua cabecinha dava umas torrinhas de amor vigorosas. Todo o corpinho parecia encaixar no meu colo como mais nenhum. Quando brincava com ela em frente a espelho, dizia-lhe: Já viste como ficamos bem juntas? Até somos parecidas.

Foram 15 anos de vida partilhada com ela, tenho medo de me esquecer de tudo o que vivemos. Dos momentos maus em que ela me ajudou com a sua infinita paciência, todas as vezes que me salvou de dores de barriga e angustias simplesmente por se deitar em cima de mim, o tempo que fosse necessário. Nunca vacilou e nunca se negou a nada. Não poderia ter tido uma gata mais fabulosa que esta!

Demorei vários dias para articular estas palavras, acima de tudo para conseguir ter coragem para escrevê-las. Este era um daqueles textos que não gostaria de ter escrito, também sei que assim, uma parte das memórias não se irão perder. As saudades que sinto dela ainda doem. É deixar o tempo passar, um dia sem dar conta ficam mais suaves.

Cada vez que lhe dizia: "Sabes Janiquinha, no caderninho do amor onde aponto os amores da minha vida, estás no topo da lista. Sabes bem que é assim. É o teu lugar para sempre." Ela olhava-me embevecida por saber que era verdade. 



Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Não devemos voltar a onde já fomos felizes

Hoje acordei com esta expressão na minha cabeça: “não devemos voltar a onde já fomos felizes”. Sempre que penso nisto, e cada vez mais me convenço, que está completamente errada. Na prática, acho que a expressão tem a ver com pessoas e não com lugares. Não voltarmos a onde já fomos felizes, ou seja, não voltar para determinada pessoa. O local acaba por vir por acréscimo, já que as memórias não ficam dissociadas de situações, locais ou pessoas. Mas é sempre por aquela pessoa específica, que não devemos voltar atrás e não pelos  momentos felizes que se viveram naquela praia ou no sopé daquela montanha. É o requentado que não funciona… ou não costuma funcionar. Acredito que para algumas pessoas dê resultado, mas de uma forma geral, estar sempre a tentar recompor uma situação que não tem concerto, não tem mesmo solução! Mesmo quando existe muito boa vontade e uma boa dose de amor. Voltando aos locais, que é isso que me importa. A história reescreve-se as vezes que forem pre

Nirvana no dramático de Cascais

Apropriado para esta semana, em que fui ver o documentário sobre a vida do Kurt Cobain.  Fiquei a entender porque se apresentou em Cascais completamento apático. O concerto aconteceu a 6 de Fevereiro 1994 e o Kurt cometeu suicídio a 5 de Abril do mesmo ano. Não devia estar no auge do contentamento... No palco esteve apenas para fazer o que lhe competia com nenhuma interacção com o público. Apenas cantou e tocou, sem dirigir uma única palavra ao público presente. Na altura achei aquilo demais, e fez-me gostar menos de todo o concerto. Só que eram os Nirvana e a eles tudo se perdoa. Recordo do meu pai me dizer: "olha aquele tipo que foste ver no outro dia, morreu. Estava a dar nas noticias." Acho que nem fiquei surpreendida, talvez suspeitasse que seria o desfecho lógico.  Sempre achei que o Kurt Cobain era um homem denso, profundo e melancólico e comprovou-se com o documentário.  Não iria dar para viver mais do que foi. A vida não foi fácil para o Kurt, um tipo se

Guns N Roses - Alvalade 2 Julho 1992

O concerto que não aconteceu porque eu não fui. É de todos os que não fui, aquele que mais me marcou, por uma série de acontecimentos. Queria mesmo ter ido! Foi o apogeu do Axl Rose, como se comprovou mais tarde… nunca mais voltou a ser o mesmo, aliás os Guns tornaram-se uma bandalheira que ficou presa naquele tempo. Não conseguiram cimentar o percurso musical para além daquele período histórico. Adiante… 1992 foi o ano do cão para toda a nossa família, começou com o desfecho tenebroso em 1991 com os AVC’s do meu avô e com o morte dele em Março. Depois disso piorou com a crise de apêndice da minha irmã, que era supostamente uma coisa simples para uma operação de meia hora e demorou 3h! Ainda por cima a minha irmã estava a começar a época de exames de acesso à universidade, o último ano da PGA. Digamos que 1992, foi o ano dos anos… O concerto só seria em Julho, a minha irmã já estaria boa e íamos com a minha prima e outra amiga. Como filha mais nova, não poderia ir sozi