Lá no céu atendem o telefone?
Espero que sim. Os teus números continuam aqui, guardados para alguma emergência. Faltou-me a coragem para os apagar, nesta altura já outra pessoa utiliza o teu número telemóvel e o teu telefone de casa já nem deve fazer sentido existir, cada um agarra-se ao que pode mesmo que desprovido de sentido.
A minha avó era do tipo de pessoa que cobrava as chamadas, tinha por hábito dizer: “Estava a ver que esta semana não me ligavas pariga*!” ao que respondia – “Tu também podias ter ligado!”. No fundo sabia que era eu que tinha de tomar a iniciativa apesar dela também me ligar regularmente. Era um despique saudável que alimentávamos em quase todas as chamadas. Sempre soube que iria ter saudades desta interação. O facto da minha avó nos últimos anos se ter perdido no passado e as coisas rotineiras se terem esfumado, fez com que este costume se tivesse quebrado mesmo antes da sua morte.
Faz hoje 5 anos que uma parte da tua luz se apagou, uma mão cheia. Talvez um dia consiga aprender a gostar do mês de janeiro assim como consegui voltar a apreciar de forma moderada o mês de março. Bem sei que a culpa não é do mês em si, mas tem de haver sempre um culpado para o vazio que fica e assim sendo, que seja o mês! No meu coração as coisas ficam mais arrumadas desta forma, mesmo quando tento refletir sobre as saudades e percebo que têm uma proporção que não consigo calcular!
Depois acontecem fenómenos que passei a designar como: “baixou-me a Dona Rosa” que é como quem diz: Vou virar a casa do avesso para arrumar e limpar tudo até ao último cotão! Era como a via fazer e bem, nunca farei igual, mas tenho momentos em que preciso que ela baixe em mim, é um facto. E sorrio para mim própria de vassoura na mão. Tenho uma memória de infância recorrente destes tempos de limpeza, as vezes que a minha avó lavava o poial de entrada em casa com lixivia! Estava sempre tudo a cheirar a limpo, ainda hoje para mim, as coisas só ficam limpas quando são lavadas com lixivia!
Em 2022 continuo a sentir saudades tuas. Palpita-me que farão parte do meu para sempre. Ainda é difícil olhar para a tua janela de casa sem ficar com os olhos cheios de água, apesar de me agradar saber que uma família mora agora na casa que foi tão bem estimada por ti. É a vida a seguir o seu curso.
Hoje é o dia da saudade, será uma rosa para uma Rosa.
Com um beijinho da neta para a avó.
*Pariga de rapariga, usava a minha avó para falar connosco
(netas): “Como estás pariga?” “Então pariga?” para mim sempre foi uma palavra
alentejana, saia-lhe naturalmente com o sotaque do Redondo que nunca perdeu.
Banda sonora para o post:
ResponderEliminarMeltt - Deeper Water
https://www.youtube.com/watch?v=89jKxDOsRCQ
Bem hajas, Sofia!