“Eu não sou nenhum Picasso”.
Foi
uma justificação que usei várias vezes para legitimar não ter seguido para as Belas Artes. Não só porque efetivamente não sou o Picasso, em forma ou em
talento, mas também porque infelizmente continuo com a convicção que Portugal é
um pais que trata muito mal os seus artistas e quem vive da arte, como se fosse
uma “profissão menor” ou pior penaliza quem por um amor maior se entrega à
dança, pintura, teatro, música, escultura, literatura como se de um hobby se
tratasse e como tal, não merecesse nem o reconhecimento do Estado ou da
Sociedade para condições de trabalho dignas e consequente justa remuneração.
Os artistas são umas parasitas, só
um Picasso não seria. Estamos a anos-luz, de uma mentalidade artística que
saiba valorizar quem se dedica à arte pela arte. Visitamos museus, exposições,
concertos, vamos ao teatro… mas não consideramos todo o trabalho que é feito
pelos artistas e por todos os outros artesãos. Se é para ter um diploma que
seja em Gestão ou Economia, isso sim dá dinheiro e sustentabilidade para a
vida.
E para pessoas como eu, uma
infelicidade sem fim.
Fiz a escolha consciente e boa,
na altura certa com a informação que tinha disponível. Não me arrependo, fica
sempre aquele amor latente pelo que não se fez mas que apesar de tudo se foi
transformando e reconvertendo. Não o perdi nem o deixei morrer, só não destruí o
amor tornando-o numa “profissão”. Fazer o que se ama e ser paga por isso, sim
seria o ideal, mas pode-se apenas gostar do que se faz e ser paga por isso e
amar-se todo o resto e não receber um tostão em troca. A maioria das vezes é
indiferente, porque tudo o que faço absorvida deste espírito dá-me muito mais
do que qualquer retribuição monetária.
(isto é um aparte, o verdadeiro
texto vem a seguir)
Estou a usar a fotografia do
Picasso deliberadamente para vos dizer que a maior mentira que alguma vez nos
disseram é que para sermos alguém – importante entenda-se - precisamos ser
grandes e reconhecidos por isso.
O Picasso tem inquestionável
talento e brindou o mundo com a sua genialidade e mestria, essas qualidades
deram-lhe unicidade e imortalidade. O Picasso será sempre o Picasso, hoje e
daqui a mil anos, é um feito que só está a alcance de alguns, o Pablo teve essa
bênção.
Isso não quer dizer que cada um
de nós não tenha genialidade ou mestria, não quer dizer que não seja único ou
imortal, só não será na dimensão do Picasso nem tem de ser. Temos de aceitar e
honrar o nosso próprio caminho. O Picasso teve o dele, aquele que todos
conhecemos e o que só lhe diz respeito a ele. Nem todos podemos chegar a reis,
mas podemos fazer a diferença no nosso próprio reino.
Eu não sou o Picasso, eu sou eu.
Tenho os meus talentos, sei o que consigo fazer, sei que sou versátil, sei que
posso e faço muitas coisas bem-feitas, que tenho talento para algumas coisas em
particular e que consigo fazer quase tudo o que me proponho criar. Não me posso
queixar, eu não sou o Picasso, mas tenho uma imensa capacidade de trabalho,
criatividade, resistência e resiliência que me dá o super poder para fazer coisas
que amo com total entrega, como o Picasso.
Não podemos desperdiçar o bom que
temos apenas por não acharmos suficiente ou enorme! Cada um é como é, e essa sim
é a nossa maior dádiva para o mundo. Não devemos negligenciar pequenos gestos e
tudo o que se faz na sombra. A maior parte das grandes transformações acontecem
com pequenos gestos diários, dia após dia a insistir, a ensinar, a corrigir a
dar o exemplo. Podemos não ser um Picasso em grande, mas podemos ser quem somos
em todo o tamanho que temos.
O maior reconhecimento vem de nós
mesmos, quando percebemos que conseguimos fazer e chegar onde queremos, quando
percebemos que nos bastamos e que afinal somos importantes só porque somos quem
somos, únicos, inimitáveis como um exemplar único.
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