"Aqui tem você um conselho que lhe poderá servir para a sua
filosofia: não force, nunca; seja paciente pescador neste rio do existir. Não
force a arte, não force a vida, nem o amor nem a morte. Deixe que tudo suceda
como um fruto maduro que se abre e lança no solo as sementes fecundas. Que não
haja em si, no anseio de viver, nenhum gesto que lhe perturbe a vida".
(Agostinho da Silva, Sete Cartas a um Jovem Filósofo).
Foi assim com a minha Picachu
até hoje, o fim. Não se forçou a vida e só se forçou a morte por amor e
compaixão, a vida é para se viver sem sofrimento e ela já não estava a
conseguir corresponder às minhas expectativas nem da veterinária, mesmo dando
tudo por tudo! Cada um tem o seu tempo e o seu espaço, é preciso saber e
aprender a respeitá-lo. Vale para todas as formas de vida. E como foi
maravilhoso ter na minha vida a gata mais meiga e louca da história da
humanidade! Que dádiva esta que tive o privilegio de viver! Sim, perdi a minha
Picachu. E tudo o que recebi dela até hoje? Foi muito, dificilmente terei outra
gatinha tão doce como esta e com tantas singularidades. É por isso que escrevo
este texto, hoje, para celebrar todos os momentos bons e maus que passamos
juntas.
Antes de se ter um animal de
estimação ou de se gostar deles profundamente, é difícil compreender a ligação
que se estabelece e o entendimento da vida e do mundo que se passa a ter.
Mais do que um ato de amor é
precisa a sensibilidade da entrega total e absoluta que se enraíza em ambos os
lados. Ao assumirmos esta missão com eles, vamos ser simultaneamente cuidados e
cuidadores. Nada disto é banal ou menor, por ser "apenas" um cão ou
um gato, o estado é puro, vão compartilhar a sua curta vida connosco de forma
intensa e plena. Não irão perder tempo a perceber os humores e frustrações dos
donos, serão felizes na simplicidade de um colo e de uma festa.
Para os mais céticos, mesmo
quando os compram, são eles que nos escolhem. Estas criaturinhas escolhem-nos
para viver, honram-nos com essa bênção, por isso, aceitar o desafio de ter um
destes companheiros requer coragem. Não é para todos, é um compromisso para a
vida... E sabemos bem como as pessoas hoje em dia lidam com compromissos...a
displicência com que o fazem. Não é para todos e não pode ser um capricho, é
uma vida que temos de cuidar a par da nossa.
Todos os animais, sem exceção,
que passaram pela minha vida ensinaram-me muito, mesmo os que não eram meus.
São verdadeiros quando interagem connosco, gostam ou não gostam, demonstram-no
na hora, não disfarçam com meias "palavras".
Por gostar cada vez mais deles
a admiração e o respeito crescem, por gostar cada vez mais deles não consigo
comer tanta carne como comia antigamente, por gostar tantos deles não vejo as
pessoas da mesma forma, por gostar tanto deles não sou a mesma pessoa.
A doença da minha Branquinha,
nos seus altos e baixos provou-me que os animais têm uma resistência e uma
compreensão da vida que nos ultrapassa. Ela que sobreviveu a custo mas com
tenacidade e a Joaninha (a minha outra gata) fez também o que pode para ajudar
a suavizar-lhe o sofrimento. Não foi fácil para ela aprender a lidar com a
doença da amiga, o primeiro instinto foi repeli-la mas depois de bem conversadas
ela entendeu o que precisava fazer. Quando temos animais falamos a língua deles
e eles falam a nossa, não duvidem! A Joaninha tem esse entendimento em grande
escala, é uma gatinha mágica e com uma conexão fora do normal.
As duas formaram ao longo de
treze anos uma dupla imbatível, cresceram juntas, crescemos todas juntas,
aprendemos a viver em família e sintonia. Também não estou a colocar os animais
no mesmo patamar que os filhos ou as pessoas de família que mais se gosta, eles
têm uma liga que é só deles, não me parece sequer salutar estar a misturar as
coisas!
De qualquer modo, têm um papel
indiscutivelmente importante nas nossas vidas que não podemos desvalorizar. As
lições diárias sobre o respeito, o amor, dedicação e entrega são provas disso
mesmo. Só quem os tem por perto sabe, a sorte que tem.
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