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Contactos com o céu

E o que é que eu faço com isto?

Guardo também o teu número de telemóvel, mas o número de casa digito-o mentalmente várias vezes, tenho-o decorado desde que existe, muito antes dos telemóveis nos terem poupado a memória para estas coisas. Duas vezes por semana ou mais a ligar-te, só porque sim para saber se estavas bem. Umas vezes só para te ouvir reclamar que nunca mais te tinha ligado (como se fosse possível esquecer-me), para saber se precisavas de alguma coisa do supermercado porque iria lá ou para acertarmos pormenores nos nossos dates de fim-de-semana.

Já não existe, eu sei. Confesso… liguei para lá e a menina (como dizias quando não te atendia o telefone) disse-me educadamente, que o número que pretendo “já não está atribuído”. Como é que ela há-de saber que este número será teu e sempre teu?

Apesar de os últimos três anos terem sido muito duros para ti e para nós, relembro regularmente estas nossas rotinas. Tive de me reajustar, avó.

Só percebi isso naquele dia de março, em que foste de urgência para o hospital e fui a correr na hora do almoço para te dar almoço… porque não querias que fossem os enfermeiros, estavas revoltada e agressiva e acharam melhor pedir a alguém conhecido para ajudar. Só quando me viste é que te acalmaste e cedeste aos cuidados que precisavas. Tremi tanto.

Ali estava eu, a fazer o que sempre foste tu a fazer, a cuidar. Nunca nos preparamos para isto. Eu achei que seria provisório, que irias conseguir dar a volta e que voltarias a cuidar de tudo e de todos como sempre. Mas na verdade, tinha chegado a tua vez de nos deixares cuidar de ti.

A resposta à pergunta é fácil: guardo, guardo o teu número para sempre, como todo o resto que partilhámos. Afinal de contas só passou um ano e isso não é nada, comparando com a vida toda.

(1 ano)


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