Rosa

Hoje é um dia importante, faria hoje 93 anos a minha avó Rosa. Como homenagem deixo o conto que escrevi semi-inspirado nela. Esta Rosa e a minha Rosa têm em comum a missão de ser avó, um papel que desempenhou com amor e dedicação. Hoje e sempre com muitas saudades dela. Parabéns avó.

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ROSA

Quando se pergunta a uma criança, o que quer ser quando for grande, habitualmente respondem: professor, bailarina, médico, piloto de avião, chef de cozinha e por ai fora, mas não a Rosa, quando crescesse a Rosa queria ser: avó.

Talvez por isso, tenha tido toda a vida, um ar mais velho do que seria suposto. Quando nasceu não parecia uma bebé acabado de nascer, parecia uma velhinha enrugada no colo da mãe. Antes dos dez anos, tinha já compridas melenas de cabelo branco e os traços do rosto sempre muito vincados a delinear-lhe a expressão.

Naturalmente interessou-se sempre por hobbies muito pouco infantis como aprender a fazer crochet, depenar galinhas, cozer botões, passar a ferro e seguir afincadamente as telenovelas mexicanas dobradas em brasileiro.

Na escola revelou uma apetência inata para ler e escrever, e para tudo o que era trabalhos manuais. Os pais acompanhavam-na com um misto de orgulho e preocupação. Sabiam que era distinta, que se comportava de forma diferente, mas não queriam que sofresse por esse motivo, e as crianças podem ser muito cruéis umas com as outras. Apesar das diferenças óbvias, por um qualquer milagre inexplicável nunca foi gozada na escola nem nas brincadeiras com os amigos.
Entre as crianças, havia respeito. Talvez por se tratar de alma antiga, a Rosa nutria admiração e apreço por parte dos amigos, recorriam a ela para pedir ajuda ou consolo. E ela estava lá sempre para eles, arregaçava as mangas sem medo e fazia tudo.

Quando foi mãe pela primeira vez, não se sentiu particularmente feliz ou ligada à criança. Sabia que, ser mãe seria um ponto de ligação vital para se tornar avó, e que o seu futuro passava por esta etapa. Teria de ser mãe antes de ser avó, a lógica da vida não permite inverter as regras naturais das coisas. Um dia, aquela criança iria concretizar a sua vocação de vida, com a materialização de um neto ou neta.

Com receio que o primeiro filho não cumprisse o seu desígnio, teve mais dois e ficou particularmente feliz com o nascimento da última filha, uma menina, Rosa como ela, que daria seguimento a uma linhagem direta, crente como era no ditado: “filhos das minhas filhas meus netos são, dos meus filhos sê-lo-ão ou não!”.

Quis o destino ou a sorte, que todos os seus filhos lhe dessem netos, seis no total: três rapazes e três raparigas. Nunca foi tão feliz como naquela época em que lavou fraldas de pano, em doses industriais no tanque do quintal. Adorava a preparar as merendas para as crianças ou cozer os remendos das calças. Sentia-se a mulher mais feliz do mundo, quando lhes pegava nas mãozinhas pequenas e os levava a passear e quando lhes tirava a febre na cabeceira da cama nas maleitas típicas de crianças. Eram seus.

Nunca dizia que não aos pedidos dos filhos para cuidar dos netos. Nunca se recusava a fazer-lhes companhia, a tomar conta deles, a acompanhá-los à escola ou ao médico, a fazer-lhes os bolos que tanto pediam ou a encher o arroz doce de canela como pedia o neto mais novo. Era incansável para todos, presente na vida deles desde o dia em que nasceram. Guardava consigo um caderninho onde apontava o dia e hora do nascimento de cada um e as primeiras impressões, no mesmo caderno registava os gostos de cada um dos netos, doenças, a medicação que podiam tomar e um ou outro detalhes que sabia único de cada um deles. Os netos viam-na tomar notas, e uma vez ou outra os mais curiosos ainda lhe perguntaram o que fazia, ao que respondia sempre: são coisas minhas, nada importante.

No dia em que morreu, num bonito dia de sol do gelado mês de janeiro, os netos encontraram o caderno da avó no meio das tralhas que carregava na mala. Desfeito o mistério, sobre o secreto caderninho da avó Rosa, compreenderam então a profundidade do amor que ela sentia por eles. Compreenderam enfim como alguém nasce para o que nasce, e a avó Rosa, nasceu para ser Avó.

Conto publicado na Antologia Comemorativa do Dia da Mulher: Mulherio das Letras_Conto e Prosa (In-Finita Lisboa) * 2019


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