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Regresso às aulas

Na nossa memória cabe tudo e em alguns buracos bem escondidos, depositamos de tudo: memórias boas, más, acasos, lixo, tralha e esquecimentos.
 
Eu tenho uma boa memória, de um modo geral, mas este ano, no "regresso às aulas", apercebi-me que arrumei alguns acontecimentos da minha vida tão bem, que já nem me lembrava deles! Não que sejam traumatizantes, talvez por serem apenas rotineiros, ficaram a um canto da minha memória.
 
O que me fez descobrir isto, foi o facto do meu sobrinho ter, este ano, entrado para o colégio onde também eu andei. Imaginem, a última vez que passei naquele portão tinha 12 anos e regressei agora aos 36. Foi muito tempo! 
 
Apesar de tudo não me senti nostálgica, dali só recordo coisas boas, os meus melhores anos escolares e o período mais longo, 6 anos. Está tudo diferente mas igual... Tudo melhorado mas no mesmo sítio, apesar do colégio ter crescido.
 
Com isto, comentei com a minha mãe que não me lembrava quem me levava à escola. Lembro-me perfeitamente que no primeiro dia de aulas, fui com a minha irmã, ela ia para o 5º ano e eu para a primeira classe e quando começaram a chamar, ela disse para eu ir, que era para mim a chamada. Recordo que foi uma cena amorosa. 
 
Acho que a minha mãe ficou chocada com a minha falta de memória e um pouco triste. Não conseguiu disfarçar, e disse: "nós vinhamos trazer-vos ao colégio de manhã...". Ainda lhe disse: "não me recordo nada disso"... saiu-me naturalmente. Naquele dia era verdade, não me lembrava...
 
Mas aos poucos tem estado tudo a voltar, lembro-me da minha mãe me deixar ao portão e ver-nos entrar no Colégio. Ou de ir de mão dada com o meu pai e ficar com o perfume dele, todo o dia na minha mão. 
 
Ou do cheiro da comida que a minha mãe nos preparava de manhã antes de ir trabalhar, ainda o sol não tinha nascido e o cheiro a caldeirada de bacalhau percorria toda a casa. Ou de o meu pai me ter feito uma sandes para levar no cesto para o colégio e da sandes saber ao perfume tsar que ele usava na altura. 
 
Hoje no comboio vinha a lembrar-me de um dia que apanhei uma molha monumental, e já dentro da sala de aula, a minha mãe a mudar-me a roupa completamente encharcada. 
 
Afinal as coisas aconteceram e foram reais, mesmo que as tenha arrumado num buraco fundo da memória. A minha independência talvez tenha comprometido estas memórias, por ser tão "todo o terreno" e depender de mim para tudo (mesmo sabendo que não estou sozinha), sou demasiado envolvida com a minha própria noção de independência para me imaginar depende das pessoas, para ir daqui a ali, de mão dada e em segurança. Mas mesmo assim, dependente.

Devia ter percebido logo que os meus pais nunca iriam permitir não estarem presentes nestes momentos, como estão sempre presentes em todos os outros. Realmente, o que me terá passado pela cabeça para achar que não eram eles que me levavam à escola?



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