Defeitos


Quantos defeitos pode ter uma pessoa? Infinitos vezes mil, como dizem as crianças... E ainda assim, parecem-me poucos, pelo menos no que me diz respeito.

No quadro da perfeição, não que me queira encaixar lá (já me deixei disso à algum tempo), não existe um caraças de um requisito que consiga cumprir com jeito. Deve ser o meu grau de exigência que é grande, comigo entenda-se, os demais mortais hão-de ter os seus próprios critérios. E quanto a esses parâmetros, estou-me a borrifar.

É na análise da vida real, do que se faz e do que não se faz. De confiar na intuição, e muitas vezes ignorá-la. É bem feita, começa ai o primeiro defeito, na extensa lista. Ouvir o que não se ouve, entender o que não se vê. Não tem nada a ver com índices de loucura, daquela que os médicos diagnosticam, nada disso, é saber antes de acontecer. É saber sem conhecer, histórias de vida, segredos que os outros guardam, coisas que vejo sem precisar de olhar. Saber, mas fingir que não sei. Que fazer com isto?

Depois todo o resto da vida corrente, é tudo mal feito, porque existem mecanismos de controlo brutalmente instituídos que não desarmam. Não cedem um bocadinho. Vacilam em determinados momentos, instantes vá…e depois voltam a armar as barreiras todas, e tudo volta ao seu ritmo natural. Não existem cabelos desalinhados, quadros tortos ou bainhas desfeitas, nada. Tem de estar tudo no nível do equilibro quase perfeito, pelo menos no que é visível. O que não se vê, luta por estrutura e ordem, umas coisas abafam outras, as vozes imaginárias: “não te deixes ir”, “não digas isso assim, estás a pôr-te a jeito”, “cala-te”, “fica quieta e espera”…conceitos abstratos. Nem o cansaço me vence, porque tenho uma capacidade de resistência, que não tem explicação. Só atrapalha.

O anjinho do bem diz umas coisas bem simpáticas, o anjinho do mal provoca, provoca e questiona tudo. Um tenta apaziguar a alma, ver as coisas pelo lado bom, compreender, aceitar, desapegar, deixar o destino acontecer, saber esperar, saber ouvir, não exigir o que não se dá, não esperar que os outros sejam iguais a mim ou façam o mesmo que eu faço… e o outro lado, que atormenta e diz, és mesmo idiota, não vais a lado nenhum assim, vá diz lá tudo o que te apetece, como te apetece sem filtros ou barreira, atira, que se lixe. Deixo de conseguir ouvir, os canais ficam baralhados, cruzados, entupidos. Não param, são insistentes, não vacilam e não cedem, cada um puxa para o seu lado.

Apetece deixar tudo para trás. E voltar, sem nada dentro do corpo, da cabeça e do espirito. Reprogramar tudo, reajustar tudo, redefinir tudo. Mas vamos ter sempre bagagem e vamos andar a carregar pesos mortos quase uma vida inteira, é um facto, a experiência que se chama viver, faz-nos isso. Temos de aprender a viver assim, a lidar o melhor que conseguirmos com as circunstâncias, os acasos, as ocorrências e os  previstos e os imprevistos.

Hoje não me apetece muito alinhar. Mas lá terá de ser.



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