É comum dizer-se “só acontece aos outros” e os outros são de
um modo geral: aqueles que não conhecemos, os que estão longe ou aqueles que
não nos dizem nada, no fundo simplificando são pessoas de quem não queremos saber,
é igual ao litro! É da nossa natureza reagirmos assim, não quer dizer que não
fiquemos chocados com doenças repentinas, acidentes ou qualquer outra
fatalidade mas defendemo-nos da tristeza que não nos é próxima com desinteresse
e desapego. É verdade que não podemos nem conseguimos absorver tudo o que temos
à nossa volta, nem é recomendável mas a capa de insensibilidade que vestimos
todos os dias sob o pretexto de nos resguardarmos é excessiva. Contra mim falo,
obviamente.
É socialmente aceite que seja assim e o estranho é reagirmos
de outra forma. As prioridades estão todas trocadas…é o que me parece.
Mas quando os outros estão felizes e transbordam de alegria,
também não queremos saber deles (a coisa mantém-se igual) mas sentimos inveja.
E assim já gostaríamos de ser como eles ou experimentar essa sorte, que só pode
ter sido alheia e não por mérito ou conquista. E mais uma vez, o bem muito bom
só acontece aos outros!
Não deixa de ser estranho que os outros, para o bem e para o
mal, sejam sempre os outros. Nós somos estas pessoas cheias de vida e de tudo,
com projetos e vida interessante, com um papel no mundo e na história da
humanidade, com família e preocupações com tudo o que nos é próximo mas completamente
alheios ao vizinho do lado.
Depois há o dia em que nos apercebemos que somos o outro, e que todos são solidários ou piedosos com a nossa desgraça ou com a nossa
alegria, mas não é com eles… e portanto tanto lhes faz, que seja bom ou que seja
mau, desde que não perturbe a paz das suas vidas. Na realidade somos sempre
outros, mesmo para quem nos ama, é uma jornada solitária quando temos de lidar
com uma enfermidade ou com uma imensa alegria, mais ninguém a pode viver por
nós ou como nós, é ai que fazemos a
nossa experiência de vida crescer com o que aprendemos disto tudo.
Os tempos têm mesmo de mudar, a forma como lidamos uns com
os outros. Não podemos continuar muito mais tempo neste desinteresse doentio, a
fingir que é igual ver um morto do chão ou um saco de lixo. Um dia podemos ser nós a cair no meio do nada sem apoio, no vazio e a desejar que alguém nos ampare. Vamos pedir que nos chamem pelo nome e que nos façam companhia,
que sintam que nos corre sangue nas veias e que precisamos de ajuda. Não somos
apenas um número nas estatísticas do INE… (esta é para os senhores do Governo).
Nesse dia, vamos olhar para os outros com outros olhos... se reflectirmos bem, quando o outro é alguém que amamos a nossa perspectiva da realidade muda radicalmente, passamos a indignar-nos perante as injustiças e lutamos por eles. Gosto de acreditar que um dia, vamos lutar por um desconhecido com a mesma tenecidade que lutariamos pelo nosso pai ou mãe, que vamos conseguir fazer o bem só pelo bem.
Imagem retirada de: http://www.estudioinfinito.com.br/site/?page_id=58
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