Se não fora a noite, o azul que me ilumina quando falas e
deixo que me mintas, não acontecia. O torvelinho que me aproxima de ti é da cor
dessa intensidade que pões em gestos descuidados, soltos, impediosos, marcados
pela voracidade da minha resistência e da pela deambulação do teu olhar.
Só à noite a impulsividade de um e a inquietude de outro se
conseguem cruzar, nada é tão menos claro como dois estranhos que se leem bem
sem sairem das sombras. Um esconde-se, o outro finge. Um exibe força, o outro
dissimula ausência. Um cerra fileiras, o outro magoa. Ninguém quer ficar à
medida que o sol eclode. A noite tarda a dar lugar a horas menos consumiveis.
Não me consegues arrumar nos passos que dás, a musica já não é a mesma, a
tensão aumenta com a distância e o frio tem uma dimensão mais profunda que
tatuagem.
Só à noite me consegues tocar, toda a noite, aproximar-te
pel'a noite, como se só toda a noite fosse o que tivessemos como trunfo, arma,
penitência e derradeira forma de nos prendermos.
Tens-me à noite.
Se não fora à noite, não me embalavas com a tua voz até
sucumbir.
(Autoria: Mónica Pinheiro)
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