Avançar para o conteúdo principal

País sem vergonha

Num dia destes no caminho para o trabalho, cruzei-me com a manifestação em defesa do conservatório rumo ao ministério da educação. Senti um mix de vergonha e raiva.

Este é o estado do pais que não tem um ministério da cultura, que pouco ou nada se interessa pela arte ou pelos movimentos artísticos, pelos músicos, acrobatas, bailarinos, escritores, criadores e todas as pessoas que optam de forma corajosa por escolher este modo de vida. É preciso coragem para ser artista em Portugal, coragem que eu não tive quando tive de optar.

Aos 15 anos escolhi a vertente de artes no ensino secundário, acreditava que o meu caminho seria por ai. Sempre gostei de desenhar, pintar, fazer trabalhos manuais, construir, ler, escrever, música, história de arte sempre me complementaram como pessoa. E lá fiz eu o meu caminho, certa sempre que não seria nenhum Picasso mas mesmo assim, o design de moda seria a minha meta. Neste período fiz milhares de desenhos e até cheguei a fazer roupa e pintar tecidos…

Quando chegou mais perto da altura de decidir o meu caminho, friamente… tive de ser racional, o que não é fácil aos 17 anos. Mesmo assim, fiz tudo o que tinha de fazer inscrevi-me no IADE como backup no caso de não entrar em Design na faculdade de arquitetura ou na Faculdade de Belas Artes. E foi no dia em que fui fazer a inscrição no IADE ainda no Chiado que as minhas perspectivas de vida mudaram. Numa corriqueira conversa de café na Brasileira, um perfeito desconhecido sentado ao meu lado engraçou com a conversa de miúdas que estávamos a ter e começou a falar das tendências de gestão e de como o marketing e a comunicação iriam ser o futuro. Falou com entusiasmo, tanto que me fez procurar informação sobre o tema e estudar novas opções.

No fundo eu já sabia que não iria conseguir viver da arte, pelo menos em Portugal e teria de procurar as outras opções. Nem precisei tanto, porque as alternativas vieram ter comigo de forma natural. Não me arrependo, até porque ironicamente entrei no curso que escolhi de imediato com ajuda da disciplina de História de Arte.

A manifestação relembrou-me tudo isto… os corajosos que continuam a sonhar com uma carreira artística, querem ser músicos, bailarinos, pintores, escultores, escritores, viver disso com orgulho num país que os trata como contribuintes menores… aqueles que trabalham em qualquer coisa que não se sabe bem o quê porque não vestem fato ou andam de pastinha e computador na mão… aqueles que sujam os dedos de tinta e barro, que se dão ao luxo de imaginar e concretizar o que idealizam. Os verdadeiros sortudos que não depende de rotinas, nem de pantógrafos ou de chefes chicos espertos. Apesar do elevado grau de exigência que todas estas atividades implicam com muito treino, dedicação e excelência. 

O mais difícil é vencer a barreira do preconceito que existe em relação à arte em Portugal, como se estes corajosos não passassem de um bando de parasitas que em nada contribuem para a riqueza do Estado…

Quase chorei de vergonha e de raiva por tudo o que passam estes jovens com o descrédito completo e absoluto no ensino artístico, a falta de sensibilidade roça a crueldade.

Sinto vergonha de Portugal.

Comentários

  1. Olá Sofia,

    É verdade é o descalabro na Cultura em Portugal. E mais uma vez é o exemplo de que há que fazer um esforço extra para mudarmos paradigmas.

    É fundamental terminar de uma vez por todas com o dogma de que se não rende 10% (ou mais) ao ano não merece a existência.

    Muito do que temos de bom no Mundo não é "lucrativo", não é mesmo, mas faz um bem danado, um bem geral, bem em termos individuais e bem em termos civilizacionais.

    Entendo o que dizes sobre o sentimento de vergonha, só que para mim não há lugar a sentir vergonha pelos atos de outrem, e o que fazes ao testemunhar isto no teu blog é em meu entender uma forma de colocar mais uma vez o ponto na ferida e caminhar realmente no sentido de atirar a vergonha para cima dos respetivos responsáveis.

    Bom post, bom tema.
    Beijinhos,
    Bruno

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Não devemos voltar a onde já fomos felizes

Hoje acordei com esta expressão na minha cabeça: “não devemos voltar a onde já fomos felizes”. Sempre que penso nisto, e cada vez mais me convenço, que está completamente errada. Na prática, acho que a expressão tem a ver com pessoas e não com lugares. Não voltarmos a onde já fomos felizes, ou seja, não voltar para determinada pessoa. O local acaba por vir por acréscimo, já que as memórias não ficam dissociadas de situações, locais ou pessoas. Mas é sempre por aquela pessoa específica, que não devemos voltar atrás e não pelos  momentos felizes que se viveram naquela praia ou no sopé daquela montanha. É o requentado que não funciona… ou não costuma funcionar. Acredito que para algumas pessoas dê resultado, mas de uma forma geral, estar sempre a tentar recompor uma situação que não tem concerto, não tem mesmo solução! Mesmo quando existe muito boa vontade e uma boa dose de amor. Voltando aos locais, que é isso que me importa. A história reescreve-se as vezes que forem pre

Nirvana no dramático de Cascais

Apropriado para esta semana, em que fui ver o documentário sobre a vida do Kurt Cobain.  Fiquei a entender porque se apresentou em Cascais completamento apático. O concerto aconteceu a 6 de Fevereiro 1994 e o Kurt cometeu suicídio a 5 de Abril do mesmo ano. Não devia estar no auge do contentamento... No palco esteve apenas para fazer o que lhe competia com nenhuma interacção com o público. Apenas cantou e tocou, sem dirigir uma única palavra ao público presente. Na altura achei aquilo demais, e fez-me gostar menos de todo o concerto. Só que eram os Nirvana e a eles tudo se perdoa. Recordo do meu pai me dizer: "olha aquele tipo que foste ver no outro dia, morreu. Estava a dar nas noticias." Acho que nem fiquei surpreendida, talvez suspeitasse que seria o desfecho lógico.  Sempre achei que o Kurt Cobain era um homem denso, profundo e melancólico e comprovou-se com o documentário.  Não iria dar para viver mais do que foi. A vida não foi fácil para o Kurt, um tipo se

Guns N Roses - Alvalade 2 Julho 1992

O concerto que não aconteceu porque eu não fui. É de todos os que não fui, aquele que mais me marcou, por uma série de acontecimentos. Queria mesmo ter ido! Foi o apogeu do Axl Rose, como se comprovou mais tarde… nunca mais voltou a ser o mesmo, aliás os Guns tornaram-se uma bandalheira que ficou presa naquele tempo. Não conseguiram cimentar o percurso musical para além daquele período histórico. Adiante… 1992 foi o ano do cão para toda a nossa família, começou com o desfecho tenebroso em 1991 com os AVC’s do meu avô e com o morte dele em Março. Depois disso piorou com a crise de apêndice da minha irmã, que era supostamente uma coisa simples para uma operação de meia hora e demorou 3h! Ainda por cima a minha irmã estava a começar a época de exames de acesso à universidade, o último ano da PGA. Digamos que 1992, foi o ano dos anos… O concerto só seria em Julho, a minha irmã já estaria boa e íamos com a minha prima e outra amiga. Como filha mais nova, não poderia ir sozi