Coisas avulso em que se pensa, é disso que se trata.
Num dos percursos que faço a caminho do trabalho, passo ao
lado do cemitério de Benfica. Numa dessas deslocações dei por mim a pensar: é
ali que está o meu tio.
É uma coisa estranha de se dizer, parece que mora ali ou está
ali internado…
Este pensamento soou-me mal. Desconexo e descontextualizado,
soou-me mesmo muito muito mal. Ele não
está ali, o corpo dele é que foi enterrado naquele local. Ele efetivamente
partiu no dia em que morreu, não está ali naquele local especifico, deixou de
estar nos sítios que eram dele.
Estas ausências são diferentes das outras ausências. Os
outros estão ali, aqui ou num local concreto, existem neste espaço físico e num
tempo concreto são materializáveis. Só estão ausentes por um motivo que se
entende ou não, mas têm um corpo que permite coloca-los em locais reais onde estão.
Se quisermos falar ou estar com eles, estão ali podemos falar, podemos
encontrar-nos ou cruzar-nos, não existe o impedimento que a morte nos impõe de
nunca mais vivermos estes momentos com aquela pessoa. O facto de se manterem
ausentes para sempre ou de forma provisória é opcional porque estão vivos, é
uma escolha voluntária ou pura preguiça de ambas as partes.
E por isso, o meu tio não está ali. Ele já não está entre
nós da forma que o víamos, mas também não está no cemitério de Benfica. Aquele
ponto que existe ali, é para nós, como referência da memória porque precisamos
de materializar o que deixa de ter forma. O não deixar cair em esquecimento,
para os próximos e para todos os outros que hão-de vir, como se fosse possível manter
eterna a memória da presença de uma
pessoa com quem não se viveu. A ideia não é viver para sempre, mas sim
difundir-se…e isso ele já fez, com os filhos e com os amigos que deixou. Os
filhos darão continuidade ao património genético que herdaram, será assim
sempre que a natureza o permitir.
O meu tio, está um bocadinho em todas as memórias da minha
infância, nos meus primos e na história da família. O cemitério de Benfica é
apenas a referência geográfica, como ponto cardinal para o que não se conseguem
materializar. O meu tio não está lá, está sempre connosco em todos os natais e
sempre que a família se reúne, até porque é ai que faz sentido que ele esteja,
mesmo ausente.
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